terça-feira, 30 de abril de 2013

Deixa sangrar

              Efêmera é a sua existência que escorre por entre meus dedos ao passo que minhas dúvidas são petrificadas e incrustadas no lobo temporal. Meu pedido de socorro é tão frenético para mim quanto se assemelha a uma melodia inaudível para você, que antes já chegava com seu kit de primeiros socorros e seus ares de salvação. Não chega mais. 
               Eu poderia ter tratado com eufemismo o maior desastre da vida e, agora, pensando bem, acho que foi exatamente o que fiz. Todas as realidades paralelas que criei são tão humanamente impossíveis que tudo o que é bruto, tudo o que é de verdade, me acaba sendo grotescamente insuportável. Todas as filosofias utópicas me apresentam tantas formas atraentes de se perder que acabo me esquecendo de tudo em que já acreditei. Meus desejos são tantos que chego a perdê-los de vista. 
               Peço para que me deixe gritar aos quatro ventos tudo o que me engasga e me impede o funcionamento do sistema respiratório, já que seus ares hoje sentenciam minha verdadeira perdição. Peço que me deixe expandir o pulmão e circundar toda a sua existência de forma que essas verdades doloridas possam se refugiar em outros mundos e ecoar meus medos num outro lugar. Peço que enxergue, por trás dos meus olhos sem cor, as correntes nervosas e sanguíneas que transportam o que eu gostaria de poder dispersar.
Desisto da realidade
com o mesmo apreço
que você usa ao 
me deixar
sangrar.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Epitáfios

          Ela é linda, atraente, extrovertida, já viajou pelo mundo, foi matéria de jornal, inspiração dos artistas, fala fluentemente inglês, alemão, latim e francês. É inteligente, misteriosa e influente. Ora está em paz, ora lança um tiro de canhão. Aniquilou os fracos, exterminou inocentes e reduziu a pó milhares de crianças. Há os que acreditam que ela age em prol de causas nobres, mas conheço histórias que confirmam justamente o contrário. Ela recruta seus homens e, em suas mentes, infiltra ideias errôneas a respeito de seus semelhantes, até que matem uns aos outros. Até que se matem todos. Até que seu nome se revele: Guerra.
           Sob a terra estão os corpos que a destemida levou. Sobre seus túmulos estão as palavras mais  otimistas e absurdas possíveis. Epitáfios e flores lotam o gramado que a natureza acabou de regar. E, sobre as flores, choram as famílias dos soldados. Mal sabem elas - as flores - que as lágrimas dos desafortunados serão a última coisa que poderão beber antes que a natureza castigue o mundo pelas atrocidades cometidas sob a influência de Guerra, a dama que converte, atrai e convence. Será a seca mais entorpecente da história, e todas as armas estarão jogadas ao chão em menos de 3 dias, porque nem a própria natureza suporta assistir ao espetáculo da Guerra. E, no fim, aqueles que de tanto chorar hão de se afogar, acabarão salvos.

terça-feira, 16 de abril de 2013

As cores do meu céu são feitas de tinta a óleo

          Deu no jornal que "tá tudo parado": a produção, o trânsito e meus batimentos também. Só o que permanece imutável são as esperas, os hiatos. Desculpe a franqueza, mas o espetáculo acabou, as cortinas fecharam e os aplausos acabaram também. Só quem continua sentado, imóvel, à espera de uma nova apresentação é quem realmente tem fé nos roteiros. E daí tem eu, no canto, que assiste o espetáculo pela primeira vez e continua lá, em transe, absorvendo tudo.
           De todas as artes, a que mais me transborda e ecoa pensamentos positivos são as cores do meu céu. Nem mesmo entre meus rins e em todas as trincheiras encontrei toda a segurança que encontro por lá. São seguras porque me é permitido sonhar um pouco acordada enquanto aprecio sua secagem lenta e as alterações do artista, características da tinta a óleo. A exceção que confirma a regra é tão convincente que nenhum crítico poderia questionar sua veracidade: a lua não me abandona.
             Nem mesmo a chuva e o vento podem varrer todo o esplendor e magnitude que vejo em minha tela. Dizem que a chuva pode destruir todo um império construído pelo sol, mas deixo que venham as tempestades. Afinal, quantas tempestades cabem numa chuva?

terça-feira, 2 de abril de 2013

Infinitos

         Quis eu acreditar que bastaria um novo ano com novas oportunidades para satisfazer minhas inquietudes. Meu erro foi apostar em todos os motivos errados e perder a fé no futuro. Para falar a verdade, quisera eu que meu erro fosse apenas esse, mas, errante como sou, tenho uma coleção deles.
          Há dentro de mim um infinito de galáxias e meus instantes de silêncio revelam com quantos demônios preciso lutar. Não me leia como se a interpretação fosse fácil, porque o infinito é tão amplo que chega a parecer que está perto. E não me interprete como se a leitura fosse fácil também, porque, quando algo está perto demais, no instante seguinte










 já não está mais.