segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Grite antes de desistir

          Responda, de onde quer que você esteja agora, meu bem, se você voltaria para casa se lhe fosse dada mais uma chance. Grite até que seus pulmões frágeis queimem com o esforço de me mandar alguma mensagem. Diga se suas feridas são muito profundas ou se podemos dar um jeito nisso, agora ou até mesmo mais tarde, talvez - quando você preferir -; mas deixe comigo a função de te curar, por favor.  Ouça o que tenho a dizer, porque isso é só que eu preciso.
           Mas, se por acaso ou livre arbítrio, você não puder voltar, meu bem, peço que mesmo assim não desista de mim. Não desista de observar a minha esperança daí de cima e, sobretudo, não desista de observar a mim. Não desista das canções que ouvíamos juntos e das palavras insuficientes que dediquei a você. Não desista desse longo e insuportável "Talvez".

sábado, 2 de novembro de 2013

Querida Helen

          Querida Helen, eu te amei como um homem ama uma mulher mesmo após 50, 60 anos de casados. Eu te acompanhei como os guarda-chuvas acompanham os pingos da garoa fina. Eu te contemplei como um artista plástico contempla sua escultura depois de pronta. E, ainda assim, eu te perdi  mais uma vez como alguém perde os grãos de areia que escapam por entre os dedos durante uma ventania.
          Quando tuas palavras que tomei emprestadas deixaram de sair da minha própria garganta, juro que, por uns 10 minutos, pude assistir ao mar enlouquecendo de fúria enquanto voltavas para tua cidade, para tua família e para o teu esconderijo na árvore (aquele sobre o qual me contastes durante certa tempestade). Nem mesmo a natureza suporta a visão das tuas costas lisas e os cabelos presos num coque frouxo e desalinhado a partirem em direção a uma rodoviária qualquer e deixarem para trás uma caixa emperrada e lotada de cartas rasgadas no fundo do quintal. 
          Eu poderia ter corrido atrás dos teus encantos e implorado para que levasses a caixa, a coleção de LP dos Beatles e o anel que te dei. Quem sabe teus olhos até encontrassem os meus e, um pouco contrariados, aceitassem voltar para casa, receber o anel de volta e reler todas as cartas de amor de um escritor nem tão romântico assim (depois de dar um jeito na trava emperrada, certamente). 
          Eu poderia, sim. Mas não foi isso que fiz. Estava escrito na contracapa do nosso livro que os teus caminhos desviariam dos meus e, dessa infeliz encruzilhada, eu encontraria minha verdadeira sina. É, pois é. Estava escrito, porque o fogo que os teus dedos delicados atearam lá em casa não deixou nem sinal dele. 
          Querida Helen, foi somente depois de uma garrafa de vinho barato e alguns rabiscos no guardanapo que cheguei à conclusão de que nossas estradas já se afastaram há muito tempo. Envio-te esta carta na esperança de que ao menos esta não seja rasgada. 
           Querida Helen, tu és um objeto inanimado que, vez ou outra, chega para me destruir.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Rasgo depois de ler

          Dobro a página do livro e marco algumas palavras capazes de prender a minha atenção por algo mais significativo do que dois segundos. Busco em minha mente lembranças de já ter lido aquele trecho antes. Procuro lembrar. Eu sempre lembro.
          No meu peito não cabe mais nenhum abismo. Todas as minhas defesas lutam contra qualquer vazio que ameace me destruir.  Escapes, hiatos, fraquezas: nada. O espaço que armazenava toda a insensatez do meu ser foi preenchido até as bordas e, com toda a pressão que faz lá dentro, transbordou. Às vezes me recuso a acreditar que meu amor é exotérmico, que minhas palavras são oblíquas e todas as minhas quedas remetem a um único precipício. 
          Foi enquanto selecionava o que era lixo e o que valia a pena ser guardado que encontrei fragmentos de papéis amassados e rabiscados com poesias de quinta. Li todas e me perguntei como um dia fui capaz de acreditar que uma coisa daquelas mereceria manchar uma página em branco. Escrever é o meu câncer, e o que escrevo é um tumor que já não pode mais ser retirado. Irônica e sarcasticamente, é o cancro que me salva. Porque, como já deixei explícito: no meu peito não cabe mais nenhum abismo.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Meias palavras que deveriam ser inteiras


          Hoje eu não quero falar de você; mas, se quisesse, eu diria que sua fé em mim me foi tão encorajadora quanto o impulso inicial de uma maratona. Eu, que não bebo, me vi embriagada com sua abundância de novos-começos-partindo-de-um-fim-não-muito-eficiente. Existem seis passos depois disso, você sabe.
          Você sabe também que, quanto mais vinte-e-setes, melhor. Sabe que dez reais podem pagar quase tudo e que post-its e canetas pretas fazem uma combinação mais que agradável. Você sabe uma infinidade de coisas e, se não souber, não importa; você ao menos já soube um dia.
          É assim mesmo, com hiatos e meias palavras, que informo a você que ainda acredito em Veneza, em fotografias na parede e em todas as outras coisas. Só pra constar nos nossos registros, eu também tenho fé no que é certo, no que é complicado de alcançar.
          Eu, que não bebo, me embriaguei com minha única certeza: você.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Eternidade

E se agora já não fosse mais eternamente um momento
E esse momento já não fosse mais eternamente nosso
E se todos esses momentos juntos já não fossem eternos
Nada do que você dissesse serviria para que eu desistisse de sonhar com a eternidade.

-  Encontrado em rascunhos de quase 2 anos atrás;
   Para a mesma pessoa.
   Sempre para a mesma pessoa.
                                                              07/08/2011

Sobre cegueira e cabides

          Uma pequena violação dos termos me levou a concluir que nossos deslizes passaram a se assemelhar quando chegamos juntos à beira da encosta. A cegueira foi tanta que, dessa vez, até mesmo os deuses pararam para aplaudir tamanha tolice. Mas tudo bem, a turbulência passou, o avião continua em pleno voo e a comissária de bordo lhe oferece um cafezinho - "senhor, açúcar ou adoçante?". 
        Na pressa, guardamos na mala alguns quilos de meias e cabides e esquecemo-nos dos casacos. Faz frio lá fora e só o que temos para dispersar o gelado que sobe pela espinha somos nós mesmos e uma xícara de café. É suficiente.
          É suficiente porque nenhum casaco do mundo seria tão eficaz na tarefa de me aquecer quanto as suas palavras de fim de noite. É suficiente porque, com todas essas metáforas e dilemas pendurados em nossos olhos, o cabide acabará nos sendo útil. É suficiente pura e simplesmente por sermos apenas eu e você, como sempre foi. Será.
          É.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Deixa sangrar

              Efêmera é a sua existência que escorre por entre meus dedos ao passo que minhas dúvidas são petrificadas e incrustadas no lobo temporal. Meu pedido de socorro é tão frenético para mim quanto se assemelha a uma melodia inaudível para você, que antes já chegava com seu kit de primeiros socorros e seus ares de salvação. Não chega mais. 
               Eu poderia ter tratado com eufemismo o maior desastre da vida e, agora, pensando bem, acho que foi exatamente o que fiz. Todas as realidades paralelas que criei são tão humanamente impossíveis que tudo o que é bruto, tudo o que é de verdade, me acaba sendo grotescamente insuportável. Todas as filosofias utópicas me apresentam tantas formas atraentes de se perder que acabo me esquecendo de tudo em que já acreditei. Meus desejos são tantos que chego a perdê-los de vista. 
               Peço para que me deixe gritar aos quatro ventos tudo o que me engasga e me impede o funcionamento do sistema respiratório, já que seus ares hoje sentenciam minha verdadeira perdição. Peço que me deixe expandir o pulmão e circundar toda a sua existência de forma que essas verdades doloridas possam se refugiar em outros mundos e ecoar meus medos num outro lugar. Peço que enxergue, por trás dos meus olhos sem cor, as correntes nervosas e sanguíneas que transportam o que eu gostaria de poder dispersar.
Desisto da realidade
com o mesmo apreço
que você usa ao 
me deixar
sangrar.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Epitáfios

          Ela é linda, atraente, extrovertida, já viajou pelo mundo, foi matéria de jornal, inspiração dos artistas, fala fluentemente inglês, alemão, latim e francês. É inteligente, misteriosa e influente. Ora está em paz, ora lança um tiro de canhão. Aniquilou os fracos, exterminou inocentes e reduziu a pó milhares de crianças. Há os que acreditam que ela age em prol de causas nobres, mas conheço histórias que confirmam justamente o contrário. Ela recruta seus homens e, em suas mentes, infiltra ideias errôneas a respeito de seus semelhantes, até que matem uns aos outros. Até que se matem todos. Até que seu nome se revele: Guerra.
           Sob a terra estão os corpos que a destemida levou. Sobre seus túmulos estão as palavras mais  otimistas e absurdas possíveis. Epitáfios e flores lotam o gramado que a natureza acabou de regar. E, sobre as flores, choram as famílias dos soldados. Mal sabem elas - as flores - que as lágrimas dos desafortunados serão a última coisa que poderão beber antes que a natureza castigue o mundo pelas atrocidades cometidas sob a influência de Guerra, a dama que converte, atrai e convence. Será a seca mais entorpecente da história, e todas as armas estarão jogadas ao chão em menos de 3 dias, porque nem a própria natureza suporta assistir ao espetáculo da Guerra. E, no fim, aqueles que de tanto chorar hão de se afogar, acabarão salvos.

terça-feira, 16 de abril de 2013

As cores do meu céu são feitas de tinta a óleo

          Deu no jornal que "tá tudo parado": a produção, o trânsito e meus batimentos também. Só o que permanece imutável são as esperas, os hiatos. Desculpe a franqueza, mas o espetáculo acabou, as cortinas fecharam e os aplausos acabaram também. Só quem continua sentado, imóvel, à espera de uma nova apresentação é quem realmente tem fé nos roteiros. E daí tem eu, no canto, que assiste o espetáculo pela primeira vez e continua lá, em transe, absorvendo tudo.
           De todas as artes, a que mais me transborda e ecoa pensamentos positivos são as cores do meu céu. Nem mesmo entre meus rins e em todas as trincheiras encontrei toda a segurança que encontro por lá. São seguras porque me é permitido sonhar um pouco acordada enquanto aprecio sua secagem lenta e as alterações do artista, características da tinta a óleo. A exceção que confirma a regra é tão convincente que nenhum crítico poderia questionar sua veracidade: a lua não me abandona.
             Nem mesmo a chuva e o vento podem varrer todo o esplendor e magnitude que vejo em minha tela. Dizem que a chuva pode destruir todo um império construído pelo sol, mas deixo que venham as tempestades. Afinal, quantas tempestades cabem numa chuva?

terça-feira, 2 de abril de 2013

Infinitos

         Quis eu acreditar que bastaria um novo ano com novas oportunidades para satisfazer minhas inquietudes. Meu erro foi apostar em todos os motivos errados e perder a fé no futuro. Para falar a verdade, quisera eu que meu erro fosse apenas esse, mas, errante como sou, tenho uma coleção deles.
          Há dentro de mim um infinito de galáxias e meus instantes de silêncio revelam com quantos demônios preciso lutar. Não me leia como se a interpretação fosse fácil, porque o infinito é tão amplo que chega a parecer que está perto. E não me interprete como se a leitura fosse fácil também, porque, quando algo está perto demais, no instante seguinte










 já não está mais.